APELIDOS NA CAPOEIRA
“(…) um moleque me chamou pra jogar (…)
/ o que estava escrito na camisa:
/ era um tal de Besouro Mangangá” !
me. SUASSUNA (trecho de chula)
Quando abordei o tema em “rabiscos” de 1994 vi-o somente pelo prisma de tradição, costume popular. Diria hoje que as implicações são bem mais profundas, envolvem o sentimento particular de quem o recebe, de como será visto daí por diante. Apelidos são coisa muito antiga, iniciada nos primórdios da Humanidade e designa QUALIDADES (ainda que negativas) de homens e mulheres que se destacavam dos demais.
Títulos de profissão ou de atividade (ferreiro, carpinteiro, cavaleiro ou “capoeira”) não são apelidos, sobrenomes de linha paterna — comuns na Rússia ou entre judeus, suecos, etc — também não, assim como os que identificam local de origem ou país de nascimento.O apelido costuma ser bem específico, quase descritivo, por vezes define um tipo de pessoa, a partir de outro conceito que nos induza a imaginar a figura cognominada. Logo, Maria, “a Louca”, Luís “Melodia”, Jairzinho “Furacão” nos dão a dimensão da pessoa retratada. Já um “Diego Alemão” só faz algum sentido em região onde sua figura seja incomum, no Japão ou na Zâmbia por exemplo, no Brasil tem pouco significado.
Em meus primeiros dias na Internet, 2008/9, me envolvi num “bate-boca” com Mestre Morais que tinha por motivo a questão de Batizados e APELIDOS na Capoeira. (*1) Em boa parte da África é comum o nome pessoal trazer traços do tribal e do DIA de nascimento da criança, sob a influência de determinado orixá. Não seria evidentemente um APELIDO… a africana Capoeira talvez tenha adotado apelidos quando FOI MARGINALIZADA, ou seja, desde sempre. Rugendas e Debret, entre 1816 e 1822, nos mostram “meganhas” e beleguins a perseguir “capoeiras” ! Daí o apelido — usado entre êles, dentro e fora das Rodas — protegeria seu nome real, de batismo, o que nem seria consolo pois quem não era Francisco (ou “Chico”), era Benedito, “Bené” ou “Dito”. Introdutores, até onde se sabe, da moderna Capoeira, os instrutores de Vicente e Manoel não tinham apelidos… alguém saberia dizer porquê ?! Pastinha não recebeu apelidos, suponho, mas os distribuíu à vontade… pelo visto, mestre “Bimba” também ! Mestre Morais era contra, por razões religiosas creio eu, embora Religião seja prática pessoal e não atividade grupal, no caso da Capoeira, numa época em que quase todos (mestres e alunos) tinham os 2 pés no Candomblé. Mas os orixás e “caboclos” de proteção eram segredo e o “patuá” também, ninguém os EXIBIA numa Roda. Agora, com o Evangelismo “metendo as mãos” na antes detestada Capoeira, seus fiéis querem o Deus “de cada um” imiscuindo-se nas práticas do Grupo, nos cantos e até toques dela.
Como ficam os APELIDOS — desde os anos 80 — na Capoeira que se expandiu por mais de cem países ? Como são recebidos em região de influência muçulmana, “substituindo” o nome paterno, quase 1 troféu, no caso de filhos homens ?! E na Rússia ? E entre palestinos e israelenses ? Estou curioso em saber como uma prática negra e africana é vista e recebida em nações claramente discriminadoras… assimilam os apelidos ?! Penso que há questões na Capoeira que vem sendo “jogadas para debaixo do tapete” e com cada um fazendo “a sua Capoeira” (?!) ela acabará TÃO DESCARACTERIZADA que, algum dia, não teremos Capoeira alguma e das práticas do Passado NADA terá ficado, nada mesmo. Seria bom começar a “pôr limites” (ou ao menos pensar) em tanta MODERNIDADE ! Se continuarmos agindo na linha “MINHA CAPOEIRA” e enchendo-a de inovações, em breve teremos uma “salada” com traços de Capoeira. Por falar em inovar, um dinâmico professor de Belém tem usado fio DE FIBRA ÓTICA no seu berimbau, sem perda de qualidade… de minha parte, enquanto houver pneu de carro, não troco por nada !
“NATO” AZEVEDO (em 20/março 2021, 15hs)OBS: (*1) – ver em algum lugar da Internet os textos “ENTRE LINHAS & ENTRELINHAS e o seguinte “A CANOA VIROU…”. Talvez ambos estejam no PORTAL CAPOEIRA, em maio/junho de 2009.
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